Amor no Labirinto de Lacan: Dando o que você não tem para alguém que não quer

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Amor no Labirinto de Lacan: Dando o que você não tem para alguém que não quer

Amor no Labirinto de Lacan: Dando o que você não tem para alguém que não quer


    "L'amour, c'est donner ce qu'on n'a pas à quelqu'un qui n'en veut pas," já dizia Jacques Lacan. Isso é o que significa quando traduzido do francês: "O amor é dar o que você não tem para alguém que não quer." Esta afirmação pode parecer ilógica ou até ridícula à primeira vista. No entanto, quando mergulhamos mais fundo, ele, como muitos dos conceitos de Lacan, nos abre um terreno rico de pensamento.

   É importante ter em mente quem era Jacques Lacan antes de iniciar esta investigação. Ele foi um psiquiatra e psicanalista francês que teve um profundo impacto na vida intelectual do século 20. Seu trabalho foi centrado em reinterpretar as ideias de Sigmund Freud, e ele fez da linguagem e do desejo os dois principais componentes da psicanálise. A citação que vamos falar é uma grande ilustração da maneira distinta, muitas vezes enigmática, de pensar de Lacan.

Representação indeterminada e amor

   As declarações de Lacan sobre o amor têm uma natureza ambígua que denota uma incapacidade de representação e uma lacuna na ausência de algo que possa ser falado ou demonstrado. Ao longo de sua carreira, Lacan usou uma variedade de frases para transmitir isso, incluindo "O amor é uma risada ao sol" e "Amar é dar o que você não tem".

Amor e Linguagem

   Lacan estava preocupado em falar, escrever e agir com amor como três métodos diferentes para expressar amor. Não se pode discutir o amor, disse ele, “exceto de uma maneira estúpida ou abominável”. Ele pensou que havia um conflito básico entre falar e amar, o que o levou a duvidar de qualquer conselho que incentivasse dizer "eu te amo". Lacan acrescenta uma viragem imediatamente, afirmando que o amor e a escrita não experimentam a mesma quantidade de tensão. Lacan afirma que a “letra de amor” é mais potente do que expressar verbalmente o amor. A letra tem uma fisicidade que a fala carece, e é por isso que. Mesmo que a fala não possa expressar amor, ela pode ser usada para fazê-lo ou criá-lo.

O conceito de amor de Lacan

   O conceito de amor de Lacan difere significativamente das idéias romantizadas que são onipresentes na cultura popular. Ele não vê o amor como sendo limitado à mera afeição, intimidade ou apego. É um processo difícil que envolve o Outro, a falta e o desejo.

   De acordo com a filosofia lacaniana, a palavra "Outro" (capital O) designa algo fora do eu que desejamos, mas nunca podemos alcançar plenamente. O Outro frequentemente serve como um stand-in para o objeto de nossos desejos e, no caso do amor, frequentemente se destaca pela pessoa com quem estamos apaixonados.

Dando o que você não tem

   O que Lacan quer dizer quando afirma que amar alguém significa dar-lhes algo que você não tem? Esta teoria é baseada no conceito de Lacan de “falta”. A falta é essencial para a existência humana, de acordo com Lacan. Todos nós temos um sentimento de incompletude e um desejo de mais desde o nascimento. O "algo mais" que pensamos que o Outro possui.

   Ironicamente, no entanto, o que imaginamos que o Outro tem e o que acreditamos que nos falta não existe realmente. É uma ilusão produzida por nossas aspirações, uma ficção. O objeto inexistente do nosso desejo de que "damos" ao Outro no ato de amor é o que Lacan quer dizer quando argumenta que o amor é dar o que você não tem.

Para quem não quer

   Para alguém que não deseja, como afirmado na segunda frase de Lacan, pode parecer confuso. Por que o Outro não quer o que temos a oferecer se eles são o objeto do nosso desejo?

   Lacan destaca a contradição do desejo neste contexto. O ciclo de falta e desejo afeta o Outro, assim como nos afeta. O desejo em si, em vez da coisa enganosa que fornecemos, é o que eles realmente querem. O ciclo é mantido pelo desejo de mais desejo. Como resultado, o "presente" que fornecemos como um sinal de nosso afeto não é bem-vindo - não porque foi rejeitado, mas porque não era o que realmente era procurado.

O ato do amor

   Essas investigações podem fazer com que a visão de Lacan sobre o amor pareça um pouco desanimadora. Onde isso nos deixa se o amor é dar o que não temos para alguém que não quer?

   O ponto de vista de Lacan, no entanto, não denigra ou desencoraja o amor. Em vez disso, é um esforço para destacar suas contradições e complexidades. Ela desafia nossas noções preconcebidas de amor, desejo e escassez. Isso nos obriga a considerar como essas ideias afetam nossas amizades, identidades e vidas diárias.

Principais ideias que Lacan defendeu sobre o assunto

1) Amor como uma ocorrência inesperada: Lacan frequentemente se refere ao amor como um evento inesperado, espontâneo que aparece do ar fino. Ele deu o exemplo de alcançar uma linda flor ou fruta madura que pega fogo quando você a toca, apenas para ser substituído por outra mão chegando de volta para a sua própria.

2) A relação entre beleza e realização: Na história, a fruta ou a flor pode representar o objeto da beleza, e o sabor ou aroma esperado pode representar a satisfação. O contraste entre o objeto do desejo e o objeto da unidade está ligado a isso.

3) O alcance do amor supera o alcance: De acordo com Lacan, a imagem imaginada do objeto do amor sempre parece ser menor do que a experiência real do amor. Palavras, imagens ou música são todas formas válidas de expressão, mas nenhuma delas pode realmente retratar a essência do amor.

4) O aspecto narcisista do amor: Lacan também expôs a idéia de que há um aspecto narcissista ao amor, que é representado na história por outro lado aparecendo no lugar da fruta ou flor. A outra mão é um reflexo da nossa própria, mostrando o amor de nós mesmos que está por trás do nosso amor pelos outros.

5) Amor é dar o que se não tem: Lacan frequentemente usa este ditado em seus escritos para transmitir a idéia de que o amor envolve uma doação que se estende além dos dons materiais e para o etérico e metafísico.

   O amor é uma ocorrência não marcada: Lacan pensou que o amor é um evento ou acontecimento não marcado. Isso representa o lado apaixonado e idealista do amor.

7) Expressar amor: Falar, escrever e fazer amor eram os três métodos que Lacan estava mais interessado em usar para expressar amor. Na sua opinião, há um conflito entre palavras e amor que torna desafiador comunicar plenamente o amor através da fala. Mas não há conflito entre amor e escrita. De acordo com Lacan, a “letra de amor” tem mais influência do que os votos vocais de amor, já que escrever é um ato material. Apesar disso, ele também pensou que a comunicação poderia ser usada para cultivar o amor, em vez de simplesmente expressá-lo.

   A história do fruto e da chama é uma das parábolas usadas por Lacan para demonstrar seus conceitos sobre o amor. Imagine uma linda flor ou fruta suculenta na sua frente. Para agarrá-lo, você estende sua mão. No entanto, a flor ou a fruta explode em chamas assim que você fizer isso. Você percebe que outra mão apareceu em seu lugar e está se aproximando da sua.

A história da fruta e da chama: uma metáfora para o amor

   Lacan apresentou um conto em 1960 que é frequentemente referido como "a história da fruta e da chama", que está no centro de sua noção de amor. Quando se chega a uma fruta totalmente cultivada ou a uma linda flor nesta história, a fruta ou a flor de repente explode em chamas. Uma segunda mão que está chegando para a primeira aparece no lugar da fruta ou flor.

   As teorias de Lacan sobre o amor são enfatizadas na narrativa. A fruta ou a flor que explode em chamas é um símbolo do primeiro tipo de surpresa que vem com o amor: a surpresa abrupta, iminente. Uma ocorrência misteriosa e surpreendente que parece aparecer do ar fino é o amor. Também implícita na história é a conexão entre beleza e satisfação, com a fruta ou flor representando o objeto da beleza, e o gosto ou odor esperado para satisfazer. A diferença de Lacan entre o objeto do desejo e o objeto de impulso é possível por este simbolismo.

   Muitas das idéias sobre o amor que atraíram Lacan foram destiladas nesta história:

a) A chegada inesperada, iminência ou surpresa que caracteriza o amor. O amor é mostrado como um Evento enigmático e surpreendente, emergindo aparentemente do nada, como é refletido na erupção da chama da flor ou fruta que estamos procurando.

b) A ligação entre prazer e beleza. A fruta ou a flor pode representar o sabor agradável ou aroma do item de beleza desejado. Isto abre a porta para a separação de Lacan do sujeito do pulso e do objeto do desejo.

c) Como no amor, alcance vai além da compreensão. Seja qual for o meio (palavras, fotos ou música), a nossa representação do objeto desejado sempre parece estar além da própria experiência do amor, assim como a chama acende no momento em que chegamos ao objeto.

d) O componente narcisista do amor. Outra mão, um espelho do nosso, surge no lugar da fruta ou da flor. A elegância poética da história empresta-se a múltiplas interpretações, e os comentaristas nem sempre concordam com o que Lacan estava tentando dizer.

   Lacan estava preocupado em falar, escrever e agir com amor como três métodos diferentes para expressar amor. Lacan declarou em seu 19o Seminário em 1972 que não se pode discutir o amor "exceto de uma maneira estúpida ou abjecta". Ele argumenta que há um conflito fundamental entre a fala e o amor, e se tomarmos este argumento a sério, devemos considerar seriamente qualquer conselho que nos exija expressar nosso amor dizendo: “Eu te amo”.

   O amor não pode ser representado:

   A narrativa também aludiu à noção de Lacan de que o amor transcende a compreensão. Nossa concepção da coisa amada parece sempre faltar à experiência do próprio amor, assim como a chama se acende quando alcançamos o objeto do desejo. Nossas tentativas de transmitir o amor – seja por palavras, imagens ou música – são insuficientes.

   A história também aponta para o lado narcisista do amor. Outra mão, um reflexo de nós mesmos, toma o lugar da fruta ou da flor. Diferentes teorias têm sido postas sobre este elemento da história; alguns argumentam que a mão levantando representa a reciprocidade do amor, enquanto outros enfatizam a assimetria básica no curso dos eventos humanos.

A Conclusão

   Através da perspectiva de Lacan, explorar as profundezas do amor é uma jornada desafiadora, mas incrivelmente gratificante. As idéias de Lacan sobre o amor, embora difíceis e ocasionalmente evasivas, nos dão uma compreensão especial da essência desta emoção compartilhada. Ele acrescenta que o amor é caracterizado por uma certa quantidade de necessidade e um desejo que se estende além do simples cumprimento.

   De acordo com Lacan, o amor é um “contar”, uma experiência que é mais do que palavras ou objetos. É algo que aparece do nada, como uma faísca que acende no momento em que nosso toque atinge o objeto desejado. E enquanto falar sobre o amor pode ser desafiador, a teoria de transferência de Lacan sustenta que o Amor pode ser formado e experimentado durante a fala.

   Lacan também serve como um lembrete de que o amor tem um componente narcisista, que é refletido no espelho da mão que nos alcança em uma tentativa de cumprir nossos desejos. O amor é uma transação entre o eu e o outro que envolve tanto dar como receber.

   O método de Lacan pode parecer complicado e opaco, mas serve para nos lembrar que o amor é uma experiência humana muito complexa. As teorias de Lacan sobre o amor nos levam a reconsiderar nossos preconceitos e a reconhecer as complexidades e contradições que fazem parte dessa forte emoção. Lacan nos fornece uma imagem de amor que é, em última análise, tão diversificada e rica quanto a própria experiência humana.

Perguntas e Respostas

1.Que significado tem a história do fruto e da chama para a concepção de Lacan sobre o amor?

Resposta: Os conceitos-chave da teoria do amor de Lacan estão encapsulados na história da fruta e da chama. Ele enfatiza a repentina e imprevisibilidade do amor, a conexão entre prazer e beleza, a maneira como o amor sempre parece estar além de nossa compreensão, e o aspecto narcisista do amor onde encontramos um reflexo de nós mesmos no objeto de nosso desejo.


2. Como Lacan caracteriza o amor?

Resposta: As definições mais frequentemente citadas de amor por Lacan são "O amor é uma risada ao sol" e "Amar é dar o que você não tem". Estas definições sugerem que o amor é alegre e distingue-se por uma certa falta ou ausência.


3.Qual, na opinião de Lacan, é a conexão entre falar e amar?

Reposta: Lacan pensa que a comunicação e o amor estão fundamentalmente em desacordo um com o outro. Ele argumenta que não há maneira real de discutir o amor que é autêntico em sua essência. Também implica que, como no cenário de transferência na psicanálise, a fala pode ser usada para construir o amor.


4. O que faz Lacan pensar que escrever uma carta de amor tem mais impacto do que expressá-la verbalmente?

Resposta: Lacan acredita que a escrita tem uma fisicidade que a fala carece. Ele afirma que uma carta de amor tem um impacto real que transcende seu conteúdo escrito. Por nenhuma outra razão além do fato de que é um item tangível, uma carta tem o poder de suscitar emoções e deixar uma impressão mesmo quando não é lida.


5.O que o ditado de Lacan "amar é dar o que você não tem" realmente significa?

Resposta: Esta observação sugere que há um componente de falta ou ausência para amar. Quando estamos apaixonados, nos esforçamos para dar o que achamos que precisamos. Como resultado, nos encontramos constantemente tentando coisas que de alguma forma estão sempre além do nosso alcance.


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